A evolução do agro não para e ultrapassa gerações

É difícil imaginar o crescimento de Primavera do Leste sem o trabalho árduo no campo.

Se imagine dando um tiro no escuro. Sem a luz não é possível mirar para lugar algum, e acertar o alvo nessas condições, então, seria questão de sorte, técnica ou persistência. No passado, década de 70, esse lugar onde abriga quase 100 mil habitantes – Primavera do Leste-MT – era análogo a esse cenário escuro. Desbravadores chegavam a essas terras sem enxergar alvo algum. A diferença era que, ao invés de escuridão, o que se via eram arbustos, árvores esparsas e um solo extremamente ácido e declaradamente pobre em nutrientes.

Esses aventureiros vinham, em sua maioria, do sul do país. Por mais que esta região era vista como “terra apenas de fazer distância”, a saturação do mercado de trabalho na região sul e sudeste após o processo de industrialização desenvolvido nas décadas anteriores, encorajou muitas famílias a explorar essas terras. Um dos fatores que os motivaram foi a probabilidade de correção deste solo que, até então, era considerada um “alvo difícil de acertar”, pois essa possibilidade passava por estudos científicos ainda incertos.

De 1970 até os dias atuais foram muitas as transformações. Essa transfiguração no cenário agrícola levou Primavera do Leste a assumir, quatro décadas depois, a posição de cidade mais rica do Estado de Mato Grosso, conforme dados divulgados pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), no início do mês anterior. E o agronegócio é o pilar mais vigoroso dessa potência econômica que é exemplo para todo o país.

Trabalho, sucessão, pesquisa, encorajamento, investimento, incentivo. Tudo isso compõe a luz que se acendeu durante esses anos para tornar possível o acerto do “tiro bem no meio do alvo”, revelando para todo o Brasil o valor do cerrado.

O CONHECIMENTO TRANSFORMOU O SOLO

Alysson Paolinelli

Um bom pesquisador está sempre disposto a desmistificar uma ideia ou provar, por meio de evidências concretas, que tal crença pode estar equivocada. Era exatamente a crença de que essas terras “não servia nem para criar calango” que impediu o povoamento no estado de Mato Grosso até o Brasil passar por uma forte recessão econômica na década de 70.

Nessa época havia um homem que contrariava as evidências sobre a produtividade no Centro-Oeste e olhava de uma maneira otimista para o cerrado brasileiro, Alysson Paulinelli. Reconhecido por ser o responsável pelos estudos que descobriria a possível solução para o aumento da produtividade no país.

Ministro da Agricultura no governo de Ernesto Geisel (1974), o engenheiro agrônomo Alysson Paolinelli entendia que o aumento da produção no Brasil poderia tirar o país daquela situação econômica. Como a agricultura era forte na região sul e sudeste, devido ao clima temperado que favorece as plantações – mas estavam com as áreas saturadas – a aposta de Paulinelli foi investir em pesquisas para comprovar a hipótese de que a correção do solo no cerrado era possível.

Aproveitando a criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), pelo cientista José Irineu Cabral, no ano de 1973, assim que assumiu o Ministério da Agricultura, no ano seguinte, Paulinelli tratou de fortalecer e modernizar a instituição. E a partir daí começou o Plano Nacional de Desenvolvimento I e II, os planos que reinventaram o campo.

“De uma hora para outra, através do conhecimento e pesquisas, aprendemos a corrigir e modificar a estrutura química e física do solo e manejar aquele bioma. Ele se transformou, em pouco tempo, no mais produtivo e competitivo que a terra já viu. É um exemplo do que pode fazer o conhecimento”, diz Paulinelli em trecho da entrevista que concedeu ao canal Revolução Verde.

INCENTIVOS GOVERNAMENTAIS DEU A LARGADA PARA A CORRIDA AO OESTE

Além da pesquisa por meio da Embrapa, o Governo da época apoiou universidades e institutos, aplicou dinheiro para a compra de maquinários e capacitação para romper as limitações que os produtores rurais tinham na época, começou a trazer indústrias de fertilizantes para o país e buscavam  tecnologias que, até então, só existiam em países de agricultura já com muitos passos a frente, com por exemplo, os Estados Unidos.

Toda essa movimentação do Governo trazia mais confiança para o deslocamento da população do sul e sudeste para o Centro-Oeste. Um dos pioneiros de Primavera do Leste que acreditou nessas terras ainda na década de 70, Edgard Cosentino, chegou a contratar agrônomos da conceituada escola de agronomia Luiz de Queiroz, para estudar as possíveis modificações de solo. Hoje esse investimento se transformou numa das maiores empresas de loteamentos imobiliários da cidade.

Esses lotes foram crescendo e a cada ano eram ocupados por mais famílias das regiões sul e sudeste que vinham ao encontro da terra promissora.

Ônibus eram fretados para trazer aquela gente que deixava o conforte de cidades que já estavam, de certa forma, mais desenvolvidas no que se refere a energia elétrica, telefonia, abastecimento de água, esgoto e pavimentação, para enfrentar situações difíceis. O objetivo era construir, a várias mãos, tudo do zero.

O atual presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado de Mato Grosso (APROSOJA) Fernando Cadore, em entrevista para a revista Em Pauta, atribui às pessoas que acreditaram e persistiram aqui.

No início da década de 80, os programas governamentais ganharam mais destaque no Brasil. Os mais velhos, certamente, devem se lembrar da campanha de João Figueiredo: “Plante que o João Garante”, que foi capaz de modernizar o sistema agrícola, financiar maquinários, produção e permitir a corrida para o oeste e, principalmente a fixação do homem no cerrado. Todo esse conjunto de ações colocaram o Brasil em posição de destaque na agricultura mundial, que de importador passou a exportador.

Com isso, foi ficando cada vez mais atrativo ocupar as terras mato-grossenses. Pouco tempo depois, em 1986, Primavera do Leste, que antes era distrito da cidade de Poxoréo, nominada como 7 Placas, teve sua emancipação político-administrativa.

TRABALHO QUE ULTRAPASSA GERAÇÕES  

A força do trabalho dos pioneiros de Primavera do Leste foi sendo observada pelos seus sucessores e assim os investimentos de muitas famílias que acreditaram no agronegócio nessas terras passou a crescer ainda mais.

É o caso de Matheus Viana, por exemplo, que nasceu e cresceu em Primavera do Leste e desde muito cedo foi orientado a participar dos negócios em família e, atualmente, gerencia tudo com um perfil moderno, sempre de olho nas principais tecnologias para a lavoura.

Outro exemplo de agricultor que desde o nascimento aprendeu com a família sobre os benefícios de trabalhar a terra é César Leal. Morador de Primavera do Leste há 35 anos, ele chegou na cidade no início dos anos 90. Nasceu de parteira em uma propriedade rural do estado do Paraná e, por sempre tirar o sustento da agricultura, chegou em Mato Grosso acreditando que seria possível crescer, mesmo com todas as dificuldades da época.

Produtor de soja, Leal deu continuidade no cultivo espelhado nos pais e avós que começaram lá no Paraná, e se tornou um dos maiores produtores desta commodities, contribuindo com o crescimento da região. “Nunca passou pela minha cabeça que plantar aqui não daria certo. Enquanto agricultor sempre aprendi a ser otimista. Se a colheita não for boa, no próximo ano será”.

E assim, de geração em geração, o agronegócio vai evoluindo, levando, cada vez mais, jovens a participar do manejo do campo e os motivando a apresentar empreendedorismos mais inovadores.  

UMA MÃO (CAMPO) LAVOU A OUTRA (CIDADE)

É difícil imaginar o crescimento de Primavera do Leste sem o trabalho árduo no campo. Se hoje – conforme os últimos (2020) dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – a cidade apresenta um Produto Interno Bruto (PIB) per capita de R$ 82.104,29 isso se deve ao potencial econômico que provêm na terra e demais atividades agrárias.

Por outro lado, também não é possível afirmar que o trabalho no campo seria tão produtivo sem a crescente cidade que já abriga trabalhadores de todos os cantos do Brasil seguindo os sulistas na busca de uma vida melhor. Estejam as fazendas dentro do município primaverense ou em municípios vizinhos, é na cidade de Primavera do Leste que está o suporte para a saúde, educação, comércio, residências, indústrias e outros setores essenciais para que a produção no campo aconteça da melhor forma. A cada dia um novo segmento surge, transformando essa cidade em polo para toda região.

Conforme dados divulgados pela Prefeitura de Primavera do Leste, em junho de 2022 a cidade contava com 9.298 empresas abertas. Considerando os números parciais divulgados pelo IBGE, em dezembro de 2022, onde demonstra que a cidade teve um salto de 40% no número de habitantes de 63 mil para mais de 93 mil, existe quase uma empresa para cada 10 moradores.

Boa parte dessas empresas estão diretamente ligadas ao agronegócio ou abastecem as fazendas com produtos essenciais. Com a área rural toda dominada pela produção, o município vem se desenvolvendo, também, com apoio do setor industrial.

A EVOLUÇÃO DO AGRO NÃO PARA

Acompanhando toda essa evolução, o Fernando Cadore, presidente da Aprosoja, destaca que é necessário o aumento, não só do polo industrial, mas também do comercial, educacional e muitos outros. “A nova geração está colhendo os frutos porque já encontraram o ambiente desbravado, mas uma hora essa galera não vai mais caber dentro do agronegócio e vão precisar ter novos horizontes”.  Cadore vê progressão e desenvolvimento que vão além do agro, porém sustentado pelo agro, assim como é.

O produtor rural Cesar Leal concorda com Cadore e diz que, além do aumento de produção, “porque estamos usando corretamente toda a tecnologia ao nosso favor”, haverá, daqui para frente, o aumento industrial. Leal acredita que a força empenhada entre os pioneiros e os políticos de Primavera do Leste tendem a levar essa cidade cada vez mais longe no que se refere ao desenvolvimento.

Talvez não seja possível mensurar com precisão o valor do cerrado. O que não restam dúvidas é que o Agronegócio deixou esse pedaço de chão no Brasil muito mais valioso e com frutos que serão colhidos por muitas décadas.

Por: Especial Revista Em Pauta MT